quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

J.F.
24.01.2012

Há pessoas de quem é mais fácil gostar. Seja porque têm muito a ver connosco e, egocentricamente, gostamos disso ou seja porque são o nosso oposto e, como tal, transmitem-nos uma calma para a qual não descobrimos ainda o segredo. Há pessoas de quem é muito fácil gostar menos. Mas essas não importam agora.
Há uma pessoa de quem eu gosto muito. Tem traços de personalidade bastante definidos. Tem ‘personalidade’. É pequenina, mas as aparências iludem. Aliás pode-se dizer que é ‘palmo e meio de gente’. No outro dia ensinei-lhe o que era uma meia-dose, porque com certeza no decorrer da sua vida lhe vão chamar, como o fizerem (e fazem) a mim. Há que saber o significado das coisas para saber como reagir. Porque para pessoa como ela e, como eu, impulsivas há que medir bem a consequência dessa impulsividade. Meia-dose normalmente é digo de um modo carinhoso, portanto reagir com um sorriso será apropriado. A mim, alguém de quem gosto muito, chama-me matraquilha. Sou pequena e gosto de futebol, parece-me bastante apropriado.
A tal pessoa pequena sobre quem escrevo este texto espero que escute, em parte, aquilo que tanta gente lhe irá dizer, aconselhar, avisar, porque a sua natureza será a de ignorar, mas nem tudo está errado. Irá saber defender-se, como aliás já o sabe (eu própria o vi com os meus olhos), mas espero que saiba a diferença entre defender-se e atacar. Na tão apreciada gíria futebolística dizem que ‘a melhor defesa é o ataque’, mas nem todos nos querem atacar, há que escutar. Lê o que eu te digo, há que escutar.
Tu, como eu, fartas-te das coisas facilmente, perdes a paciência e queres tudo já. Tu é que sabes. Garanto-te de que há coisas pelas quais vale a pena esperar. Há pessoas pelas quais vale a pena esperar. E, espero que saibas, quando nada mais há a fazer ou quando devas continuar de sorriso cheio de esperança acreditando que sim, que ainda faz sentido essa espera. Garanto-te que não será fácil saber a diferença, senão sentindo-a com um coração aberto.
O meu olhar registra os teus passitos apressados, as tuas voltas de bicicleta de dois minutos quando decides que já não te apetece mais, a tua voz a mudar para mais doce porque te apetece uma goma, ‘só uma, vá lá só uma’ dizes tu (as duas sabemos que uma são duas e duas são três). Registra também o teu cruzar de braços indignado por qualquer coisa que para nós parece irrelevante, mas que para ti merece toda a nossa atenção. Todos nós já nos sentimos ignorados, mas quando crescemos o cruzar de braços ignorado vira um sorriso disfarçado. O meu conselho é que abuses desse cruzar de braços, porque quando tiveres mais meio metro ninguém te perdoará essa indignação. Abraça a indignação, o quereres mais, o impulso, mas nunca o faças com falta de educação ou de respeito. Ninguém perdoa uma falta de educação.
Quando te digo ‘até logo’, sinto que nunca acreditas em mim. Sinto que para ti ‘até logo’ significa muito tempo. Porque para ti o tempo não tem ainda significado. Não sabes o dia em que nasceste. Até podes saber, mas não tens noção se falta muito ou pouco tempo. Não sabes quando é Segunda-feira ou Sábado. Sabes, penso que por associações que hoje poderá ser Sábado, porque não foste à escola. Sabes que hoje é Terça-feira, porque tens o fato-de-treino vestido e é dia de ginástica. Por isso achaste tão estranho quando eu te disse que ía para o Algarve em Dezembro, ‘então mas Algarve não é só no Verão? Agora faz frio!’. Como se eu ir para o Algarve fosse a coisa mais ridícula do mundo. Desculpa se te confundi, mas com o tempo vais ver que muitas vezes me confundo a mim mesma também e, quem sabe, um dia serás tu a ajudar-me em decifrar as coisas.
Muitas vezes tento não me perder no modo como me convences de que a tua mãe disse que não fazia mal comer mais uma goma, apesar de faltarem apenas cinco minutos para o jantar. Jantar que vais dizer que adoras, mas que passados dois minutos afinal não te apetece. Não te preocupes, um dia irás comer mais do que eu. Há sempre um exemplo na família de quem não comia nada quando era pequena e olha hoje o que come. Na nossa família, todos sabemos quem serve de exemplo e, hoje em dia, quem lhe tira um esparregado tira-lhe tudo. Isso é suposto sossegar os teus pais, mas sinceramente não sei se resulta.
Confesso meia envergonhada que tento deliberadamente influenciar os teus gostos futebolísticos e musicais. Nasceste em Lisboa e, parece-me certo, que saibas já o que é uma Marcha. Não sei se tento apenas que gostes do que eu gosto para ter uma companheira de partidas, mas que escutes também outras músicas que não ‘A, B, C; 1, 2, 3’. Não sei se também por eu já saber o abecedário e não precisar de o reaprender cinquenta vezes por dia ou se realmente gostava que gostasses de, pelo menos, alguma música que eu escuto.
Escuta a música que quiseres, mas as palavras escuta as de quem te quer bem. E, depois, faz aquilo que tu quiseres. De coração aberto.
Quando aprenderes a ler, procura no dicionário a palavra ‘medo’ e lê a sua definição. Para que não te esqueças. E, depois, procura a palavra ‘coragem’, para que nunca lhe soltes a mão.
Nasceste no mês do sol. No mês das férias porque todos anseiam. Por isso, faz sempre da tua presença, da tua vida uma metáfora da alegria que esse mês representa para tanta gente. Uma metáfora não, uma hipérbole. Exagera na alegria, exagera no riso, exagera na felicidade.
Tu nunca irás saber o que é uma televisão a preto-e-branco e uma televisão com dois canais apenas parecer-te-á uma mentira. Vais dizer que exagero quando escrevo que em dez segundos te fartas de um desenho animado e queres outro. Mas agora é fácil, basta mudares de canal e tu já dominas o controlo remoto.
Às vezes dou por ti a rires-te muito de uma coisa só porque eu também me rio. Confesso que prolongo o riso para ver até quando aguentas esse terno e carinhoso ritual de imitação. Sei que essa imitação é um elogio e rires-te comigo significa que gostas muito de mim. Também eu de ti.
Muitas vezes discutem comigo por eu fazer coisas que não é suposto e, consequentemente, tu me copiares. Às vezes faço de propósito, outras vezes esqueço-me de que tens apenas meio palmo e eu já palmo e meio.
Eu olho à volta e às vezes não sei o que vejo. Olho à volta e ouço e tento ouvir, tento escutar. Nunca paro de tentar. Busco. E muitas vezes acho.
Tu terás também com certeza a capacidade de escutar. Eu sei que sim. Porque te vejo terna e calma enrolada no colo da tua avó. Ou porque te vejo sussurando que não podes mexer nas caixinhas porque a avó não deixa. Ou dizendo ao teu mano que os tachos são do avô. Isso é a prova de que tu escutas.
Os teus anos e dias agora estão baralhados, organizados apenas pela rotina da escola, das actividades extra-curriculares e das Sextas-feiras onde jantas sempre fora de casa.
Eu estou aqui a escrever também a tentar organizar os meus dias através desta carta que te escrevo.
Muitas vezes te dirão que as palavras leva-as o vento, mas estas estão aqui para sempre e sempre que as queiras ler.
O meu nome está também no teu e, como diz a canção, isso me envaidece.
Agora vou domir. Boa noite, dorme bem Joana.

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