Comboio
Genebra-Paris
10:36
20.01.2013
Estou no comboio TGV de Genebra até
Paris. Parti da cidade suíça às 09h42 e chego a Paris quase à uma da tarde. O
meu lugar é daqueles em que vamos de costas, com a paisagem lá fora a fugir-nos
ao olhar, sem que a possamos agarrar. A paisagem é muito bonita, sou sincera
não sei se estamos na Suíça ou em França. Tudo é verde e o sol brilha, saindo
do estado de hibernação em que tem estado nos últimos tempos. Na Suíça a
paisagem era branca, tudo encolhido com o frio que a neve traz. Agora olho pela
janela do comboio e admiro as quatro ou cinco tonalidades de verde que me
invadem as pupilas. Uma casita aqui, uma casita ali, todas com telhados em ‘v’
confessando-me que aqui também neva. Nos últimos dias tem estado um sol
brilhante. Aquele sol que nos obriga a sentar na esplanada, aquele sol que nos
faz feliz. Vejo muitas casas enormes, quase castelos. Lembro-me daqueles
programas de televisão em Inglaterra onde uma família inglesa decide deixar
tudo e reconstruir uma destas casas abandonadas e viver aqui. Depois ou vendem
a casa e começam outro projecto ou constroem uma Pousada. É engraçada esta
ideia dos Ingleses de deixar uma vida de conforto, em Londres por exemplo, vir
para um país onde nem a língua falam, arranjar mão-de-obra e começar a
reconstrução de uma casa do zero, muitas vezes vivendo meses ou anos numa roulotte
até que esteja tudo pronto. Muitas vezes escolhem apenas materiais ‘amigos’ do
ambiente e é como se naquela casa pusessem em prática todos os princípios de
vida que não conseguiram aplicar num passado rotineiro. Penso que toda a gente
sente uma certa frustração em certas alturas da sua vida, seja porque no
trabalho não concorda com algo e a sua voz não é ouvida, seja porque trabalham
horas longas e não tem tempo para disfrutar a vida. Ora, para mim, o hábito
comum na cultura Britânica de deixar para trás uma vida e começar do zero
noutro sítio, não é mais do que um grito ao estilo ‘agora vou fazer as coisas
exactamente como eu quero, vou viver na casa que eu quero segundo os princípios
em que acredito, vou cultivar a comida de que eu gosto, vou educar os meus
filhos como eu quero’. Será possível, mesmo deixando o que nos é familiar e
começar noutro sítio, ter controlo sobre todos os aspectos da nossa vida? Eu
acho que eles acreditam que sim. Estão fartos e, não querendo generalizar, os
britânicos não são pessoas de discutir, então pegam na família, na trouxa e lá
vão eles para França comprar um pedaço de terra e redesenhar as suas vidas à
sua maneira. A Inglaterra, sendo um país rico e sem nunca ter experienciado um
regime ditatorial, lida bem com dívidas. Quase arrisco dizer que não têm
problemas em ter dívidas. Quando deixam a universidade já começam a sua vida
laboral cheios de dívidas, visto usufruírem de um empréstimo do Estado,
adaptado às condições de cada um, durante a época de estudante. Assim que
começam a trabalhar e têm um salário superior a ‘x’, o Estado começa a
retirar-lhes automaticamente uma percentagem para pagarem o que devem. Este
apoio do Estado é para todos, o que varia é a quantia a que cada um tem dinheiro,
dependendo do custo de vida da cidade onde escolheram estudar e do background familiar. Tantas vezes,
enquanto via os tais programas na televisão, pensava ‘estas pessoas têm mil
empréstimos ao banco, tantos cartões de crédito esgotados, já pediram dinheiro
a tanta gente, como é que conseguem dormir à noite?’ E, claro, no final do
programa lá estão eles todos felizes em frente à sua casa de sonho, ao lado da
sua horta de sonho, sorrindo e afirmando que ‘todas as noites sem dormir
valeram a pena’. A convicção de que não se deve deixar ao destino o seu futuro
e, deve-se agarrar, o rumo das suas vidas com as próprias mãos, essa ninguém
lhes tira.
Voltando à paisagem que vejo pela
janela do comboio… há uns amarelos que chamam a atenção escondidos entre os
verdes dominantes. Não vejo uma casa há já algum tempo. O céu mudou e em vez de
azul foi pintado de branco. As árvores estão muito juntinhas, como que
abraçando-se contra o frio. Não consigo não pensar em como não foi coincidência
o meu lugar ser de costas. Porque é assim que me sinto mesmo. Sinto-me como se
tivesse a ser levada por esta Europa fora, buscando em cada lugar o que de
melhor aí há. E o melhor é as minhas amigas. Vejo castanhos e amarelos agora.
De vez em quando passa um comboio paralelo ao meu e tudo abana muito durante
meio segundo. Quem se julga esse comboio para interromper, que nem furacão, a
calma da paisagem que aprecio há mais de duas horas? Quem se julga esse
comboio, furioso e mal acostumado? Agora vejo uma aldeia com meia dúzia de casitas,
uma igreja, uma escola e penso em como será crescer ali? Aliás, esta pergunta
vem-me à cabeça em quase todos os sítios que vejo ou visito? Como será crescer
ali? Porque nasci onde nasci? Porque cresci onde cresci e estudei onde estudei?
Onde me levam estes pensamentos, estas ideias? É difícil saber a respostas, mas
é também difícil não o pensar.