quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

No comboio entre Genebra e Paris 20.01.2013



Comboio Genebra-Paris
10:36
20.01.2013

Estou no comboio TGV de Genebra até Paris. Parti da cidade suíça às 09h42 e chego a Paris quase à uma da tarde. O meu lugar é daqueles em que vamos de costas, com a paisagem lá fora a fugir-nos ao olhar, sem que a possamos agarrar. A paisagem é muito bonita, sou sincera não sei se estamos na Suíça ou em França. Tudo é verde e o sol brilha, saindo do estado de hibernação em que tem estado nos últimos tempos. Na Suíça a paisagem era branca, tudo encolhido com o frio que a neve traz. Agora olho pela janela do comboio e admiro as quatro ou cinco tonalidades de verde que me invadem as pupilas. Uma casita aqui, uma casita ali, todas com telhados em ‘v’ confessando-me que aqui também neva. Nos últimos dias tem estado um sol brilhante. Aquele sol que nos obriga a sentar na esplanada, aquele sol que nos faz feliz. Vejo muitas casas enormes, quase castelos. Lembro-me daqueles programas de televisão em Inglaterra onde uma família inglesa decide deixar tudo e reconstruir uma destas casas abandonadas e viver aqui. Depois ou vendem a casa e começam outro projecto ou constroem uma Pousada. É engraçada esta ideia dos Ingleses de deixar uma vida de conforto, em Londres por exemplo, vir para um país onde nem a língua falam, arranjar mão-de-obra e começar a reconstrução de uma casa do zero, muitas vezes vivendo meses ou anos numa roulotte até que esteja tudo pronto. Muitas vezes escolhem apenas materiais ‘amigos’ do ambiente e é como se naquela casa pusessem em prática todos os princípios de vida que não conseguiram aplicar num passado rotineiro. Penso que toda a gente sente uma certa frustração em certas alturas da sua vida, seja porque no trabalho não concorda com algo e a sua voz não é ouvida, seja porque trabalham horas longas e não tem tempo para disfrutar a vida. Ora, para mim, o hábito comum na cultura Britânica de deixar para trás uma vida e começar do zero noutro sítio, não é mais do que um grito ao estilo ‘agora vou fazer as coisas exactamente como eu quero, vou viver na casa que eu quero segundo os princípios em que acredito, vou cultivar a comida de que eu gosto, vou educar os meus filhos como eu quero’. Será possível, mesmo deixando o que nos é familiar e começar noutro sítio, ter controlo sobre todos os aspectos da nossa vida? Eu acho que eles acreditam que sim. Estão fartos e, não querendo generalizar, os britânicos não são pessoas de discutir, então pegam na família, na trouxa e lá vão eles para França comprar um pedaço de terra e redesenhar as suas vidas à sua maneira. A Inglaterra, sendo um país rico e sem nunca ter experienciado um regime ditatorial, lida bem com dívidas. Quase arrisco dizer que não têm problemas em ter dívidas. Quando deixam a universidade já começam a sua vida laboral cheios de dívidas, visto usufruírem de um empréstimo do Estado, adaptado às condições de cada um, durante a época de estudante. Assim que começam a trabalhar e têm um salário superior a ‘x’, o Estado começa a retirar-lhes automaticamente uma percentagem para pagarem o que devem. Este apoio do Estado é para todos, o que varia é a quantia a que cada um tem dinheiro, dependendo do custo de vida da cidade onde escolheram estudar e do background familiar. Tantas vezes, enquanto via os tais programas na televisão, pensava ‘estas pessoas têm mil empréstimos ao banco, tantos cartões de crédito esgotados, já pediram dinheiro a tanta gente, como é que conseguem dormir à noite?’ E, claro, no final do programa lá estão eles todos felizes em frente à sua casa de sonho, ao lado da sua horta de sonho, sorrindo e afirmando que ‘todas as noites sem dormir valeram a pena’. A convicção de que não se deve deixar ao destino o seu futuro e, deve-se agarrar, o rumo das suas vidas com as próprias mãos, essa ninguém lhes tira.
Voltando à paisagem que vejo pela janela do comboio… há uns amarelos que chamam a atenção escondidos entre os verdes dominantes. Não vejo uma casa há já algum tempo. O céu mudou e em vez de azul foi pintado de branco. As árvores estão muito juntinhas, como que abraçando-se contra o frio. Não consigo não pensar em como não foi coincidência o meu lugar ser de costas. Porque é assim que me sinto mesmo. Sinto-me como se tivesse a ser levada por esta Europa fora, buscando em cada lugar o que de melhor aí há. E o melhor é as minhas amigas. Vejo castanhos e amarelos agora. De vez em quando passa um comboio paralelo ao meu e tudo abana muito durante meio segundo. Quem se julga esse comboio para interromper, que nem furacão, a calma da paisagem que aprecio há mais de duas horas? Quem se julga esse comboio, furioso e mal acostumado? Agora vejo uma aldeia com meia dúzia de casitas, uma igreja, uma escola e penso em como será crescer ali? Aliás, esta pergunta vem-me à cabeça em quase todos os sítios que vejo ou visito? Como será crescer ali? Porque nasci onde nasci? Porque cresci onde cresci e estudei onde estudei? Onde me levam estes pensamentos, estas ideias? É difícil saber a respostas, mas é também difícil não o pensar.

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