sexta-feira, 6 de maio de 2011

Chão curvado pelo futebol 06.05.2011

Chão curvo ingrato. Sim, chão curvo ingrato. Ontem por volta das onze e meia estava eu a sair do café Sintra onde eu vou sempre ver o espectáculo de que tanto gosto e senti os meus passos pesados. Caminhei como sempre o faço até à paragem de um qualquer autocarro que me levasse a casa. Andei com passos quebrados, olhos presos no chão, olhos por vezes orgulhosamente levantando o olhar como que quebrando a desilusão sentida. Acho que todos os que me conhecem sabem de que desilusão estou a falar. Não vos conto ainda porque este conto poderia ser qualquer outra coisa. Nao quero que tomem já uma decisão na vossa cabeça, leiam primeiro. Visto esta loucura como um corpo desenhado por mim, e como diz a Mariza ‘bendita esta loucura de cantar e de sofrer’, mas desta vez uma loucura envergonhada do que aconteceu ontem. O meu pai lembrou-me que eles, os protagonistas, também queriam que o desfecho tivesse sido outro, também queriam ter chorado uma chuva de alegria, mas os ventos e os troncos de árvores rígidos disfarçados de postes, assim não o quiseram. Os postes, tal como as árvores, pareciam ter séculos de existência, instransponíveis na sua teimosia. Como que dizendo ‘eu estava aqui primeiro’.
Hoje venho ver a Mariza, fadista como todos sabem. Dizem-me que o fado é triste, mas agora (meia hora antes do concerto começar) estou feliz e ontem triste fiquei. Ontem o espectáculo foi outro. Será este o meu Fado, o de sofrer por coisas que outros sopram para o lado, passados cinco minutos de terem acontecido? O Fado era suposto ser hoje cantado pela Mariza, mas afinal foi ontem desgarradamente exibido por vozes roucas de norte. Foi um Fado desafinado, onde os solos de guitarra do senhor da camisola 30 nunca encontraram os acordes perfeitos. Os seus arranques de bola colada ao pé que nem palheta nas mãos de Carlos Paredes foram lentos e as palmas com que acompanhámos esses acordes foram sempre mais entusiasmantes que a música a que assistimos. As minhas mãos ontem quando se juntavam, antevendo palmas, acabavam sempre por fugir para a minha cara e cobrindo-la, esfregando os meus olhos e franzindo a minha testa, enrrugada por linhas que gritavam desilusão.
E eu que gosto tanto do senhor da camisola 30. Se calhar, que nem Pedro e Inês, esse senhor sentiu falta do outro. Do senhor da camisola 10. Ora a este chamam-lhe ‘O Mago’ e alguém assim é famoso por tirar coelhos da cartola. O coelho, ‘El Conejo’, estava lá mas escondido porque ‘O Mago’ ficou com o seu baralho de truques no banco. Sem culpa. Sem nada. Sem nada ficámos nós. À minha volta, uns vestindo os seus casacos de fúria e envoltos em cachecóis cozidos de dor foram logo para casa, outros na sua habitual tranquilidade rapidamente mudaram de assunto para a crise e o plano da Troika e do FMI e, eu e outro ficámos ali. Mãos na cara, rosto escondido, mão buscando troco no bolso para pagar a imperial e a meia de leite que sabiam agora a um nada. Ficámos ali porque sabíamos que uma derrota assim agarra-se a nós e entranha-se como areia. A areia não sai de um dia para o outro. Esconde-se e, eu querendo livrar-me dos grãos de tristeza, peguei no meu coração e comecei a falar sobre o jogo. Falei sobre cada jogador, sobre o treinador, sobre o Presidente, falei até ter a certeza de que não tinha mais nada para dizer.
Voltei a pegar no meu coração, pu-lo no sítio e caminhei. Paguei a conta acho eu. Caminhei até à paragem de autocarro e fui para casa.
Hoje estou aqui e vou ver a Mariza daqui a quinze minutos.
A bendita loucura esta noite é outra e o meu Fado espero que diferente...

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